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Claro como a água

Um blog para os apaixonados por livros, ou simplesmente para quem procura um livro para ler

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OPINIÃO | Em Teu Ventre

13.04.16

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 Título: Em Teu Ventre

Autor: José Luís Peixoto

Ano de publicação: 2015

Editora: Quetzal Editores

 

Após ter lido Morreste-me, a obra em que José Luís Peixoto fala sobre a morte do pai, e que diga-se adorei, decidi que teria de experimentar outras obras do autor. Queria uma obra menos sentimentalista do que Morreste-me e assim cheguei a Em Teu Ventre, a mais recente novela do autor.

 

Nesta obra o autor retrata o Portugal da altura das aparições de Nossa Senhora em Fátima, entre Maio e Outubro de 1917. Achei curioso que o autor se tenha focado antes no ambiente vivido na época e não nos episódios das aparições, as aparições nem são descritas no livro. Fiquei com a ideia de que este livro "complementa" aquele em que são descritas as aparições.

 

Pela forma como o autor expõe os acontecimentos e o ambiente vivido aquando dos acontecimentos, consegue agradar aos dois grupos de leitores, os que acreditam que é tudo verdade, e os outros que acham que tudo não passou de um negócio.

 

Percebo que muita gente não tenha gostado do livro por achar que não é fiel à "história" dos três pastorinhos ou pelo menos tem algumas "lacunas", na medida em que não faz referência ao aviso do Anjo e aos Mistérios contados pela Virgem, nem ao destino de Jacinta e Francisco, muito menos à forma como as três crianças viram/ouviram a Nossa Senhora. Na minha opinião é tudo uma questão de perspectiva e de gestão de expectativas. Quem espera que José Luís Peixoto conte a história dos três pastorinhos pode desiludir-se, quem por outro lado, está ciente de que esta obra é um retrato social e económico do Portugal de 1917, vai quase certamente adorar a leitura.

 

Mas Em Teu Ventre é muito mais do que um retrato do Portugal rural de há 100 anos, é também (senão principalmente) um hino às mães. Vejam-se algumas passagens:

 

"Entre o infinito do céu
e o infinito da terra, existe
o teu infinito, igualmente
desmedido e ilimitado.

Mãe, o tempo não é capaz
de conter-te."

 

 

"Todas as pessoas têm direito a descanso, menos as mães. Para cada tarefa, profissão ou encargo há direito a uma folga, menos para as mães. Se alguma mãe demonstrar a mínima fadiga de ser mãe, haverá logo uma besta, ignorante de limpar baba e de partir, que se oferecerá para a pôr em causa. Não é mãe, não sabe ser mãe, não foi feita para ser mãe, dirá. Mas, se todas as pessoas têm direito a descanso, será que as mães não são pessoas? A culpa é nossa. Sim, a culpa é das mães. Deixámos que fossem os filhos a definir-nos."

 

A obra é narrada por várias mães, a mãe de Lúcia, a mãe de Deus, outras mães: 

 

"Eu sei que preferes acreditar em qualquer estrangeiro que escreva livros do que em mim, tua única mãe, mas devias escutar-me desta vez. Seria o melhor para ti, tenho a certeza absoluta."

 

A escrita de José Luís Peixoto é maravilhosa, pelo menos assim parece aos meus olhos, é uma escrita poética e por isso deve ser lida e relida.

 

"Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós."

 

É uma leitura que vou certamente guardar na minha memória mas também no meu coração. O melhor aviso que posso fazer a quem ainda não leu o livro é que se mentalizem de que este não é um livro sobre as aparições de Nossa Senhora, mas sim o livro em que a acção decorre durante as aparições. Se acreditam ou não que aquelas três crianças estavam a contar a verdade, isso é convosco, mas leiam, vale a pena.

 

Classificação no Goodreads: 4/5

 

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